A volta do caso Varginha Caçadores de discos de outros mundos passam cada vez mais à ofensiva contra místicos e tentam atrair apoio de cientistas |
Seis anos depois, volta à cena o 'incidente de Varginha', como ficou conhecida a anunciada aparição de extraterrestres no sul de Minas Gerais. O interesse pela história se reavivou no fim do ano passado, com o lançamento do livro O Caso Varginha , do advogado mineiro Ubirajara Rodrigues. Na capa, uma promessa: 'Pela primeira vez revelada a história completa da captura de estranhas criaturas no sul de Minas Gerais'. O livro marca uma virada nos rumos dessa atividade considerada ciência por alguns e bobagem por muitos. Baseado numa extensa investigação, que levou seis anos, envolvendo mais de 30 depoimentos, Rodrigues fez uma obra que, se não chega a provar a existência de ETs, também não parece um delírio. É uma tentativa de separar o joio do trigo – os ufólogos sérios dos fanáticos, aqueles que tendem a acreditar em qualquer coisa. 'Mais de 95% dos casos de objetos voadores não identificados têm alguma explicação científica desvinculada de extraterrestres', diz Rodrigues. 'Mas o restante está sendo irresponsavelmente ignorado pela ciência, e o caso de Varginha é um deles. Queremos que os pesquisadores se interessem pelo assunto', advoga o adepto da ufologia 'pé no chão'.
A versão do caso Varginha apresentada por Ubirajara Rodrigues está longe de se apoiar em crenças em "seres superiores" ou "revelações telepáticas", como era de se esperar de um livro de ufologia. Engana-se quem pensa que o autor é um tipo folclórico, daqueles que usam batas coloridas, juram conversar com duendes e dar voltinhas em discos voadores. Muito pelo contrário. "Nunca vi um óvni (objeto voador não identificado)", afirma o engravatado professor de direito. Advogado respeitado no sul de Minas, ele pratica o que alguns chamam de "ufologia científica" – um ramo da atividade que rejeita misticismos e deslumbres esotéricos. "Não chegamos a ser cientistas, mas investigamos de um modo criterioso os relatos de pessoas que dizer ter visto óvnis", conta Rodrigues. No Brasil, essa vertente séria da ufologia conta com engenheiros, médicos, meteorologistas e até mesmo gente do meio científico. Tão grande quanto sua luta para convencer os céticos é a sua batalha contra o que chamam de "ufólatras" – ou ufólogos místicos. "São eles que desmoralizam a ufologia", acusa Rodrigues. A briga contra esses deslumbrados é ingrata. O engenheiro paulista Ricardo Varela é mestre em desvendar enganos e fraudes. Ufólogo assumido, ele trabalha no Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), desenvolvendo os instrumentos que vão a bordo dos balões de pesquisa. Sempre que alguém telefona ao instituto dizendo ter visto um óvni, o caso é passado a ele.
"Até hoje, todos os relatos, fotos e filmes que chegaram aqui foram explicados e não tinham nada a ver com naves de outro mundo", diz Varela (veja quadro). Ele desmascarou há alguns anos um vídeo exibido na televisão brasileira mostrando a descoberta de uma nave por militares russos. Por isso, nem sempre Varela é bem visto pelos ufólogos fanáticos, que querem acreditar em qualquer coisa. Racha entre aficionados O mesmo acontece com o engenheiro paulista Claudeir Covo. Ufólogo há 35 anos, ele critica duramente aqueles que misturam a atividade com misticismo. "Algumas pessoas querem tirar Jesus do altar e botar um disco voador no lugar", ironiza. Também alerta para os casos em que a armação tem fins puramente comerciais. Foi Covo quem descobriu, recentemente, que o famoso óvni filmado nos céus de São Paulo pela atriz Suzana Alves, a Tiazinha, nada mais era do que o dirigível da Goodyear. Convidado para falar sobre o assunto no programa do apresentador Gugu, no SBT, Claudeir conta que foi dispensado antes mesmo de entrar em cena, assim que revelou à produção do programa que a filmagem não tinha nada de extraterrestre. No caso de Varginha, outra face curiosa do racha entre ufólogos deflagrou-se. Algumas pessoas diziam não acreditar no fato, simplesmente porque o tal ET avistado era um bichinho feio, e não um ser angelical. "Os ufólogos sérios estão num beco sem saída, com os cientistas descrentes atacando por um lado e os místicos fanáticos por outro", afirma Ubirajara Rodrigues. E foi com esse viés crítico que o advogado mineiro retomou a história de que seres extraterrestres teriam aparecido em Varginha no começo de 1996.
Rodrigues reconstituiu com depoimentos de mais de 30 testemunhas o que teria ocorrido naquela época na cidade mineira. Em alguns momentos, a pesquisa contava com mais de 60 pessoas envolvidas na coleta de dados e documentos – alguns sigilosos, segundo afirma.
A trama parece o enredo de um episódio do seriado Arquivo X. Começa pela atitude enigmática das autoridades. GALILEU procurou saber a posição oficial da Aeronáutica, do Corpo de Bombeiros de Varginha e da EsSA (Escola de Sargentos das Armas, do Exército). Foi inútil. Nenhum desses órgãos públicos envolvidos no incidente quis comentar o assunto. Não negam nem confirmam. O silêncio é um prato cheio para os ufólogos. A confusa história que as autoridades não gostam de comentar começou no dia 20 de janeiro de 1996, pela manhã, quando bombeiros de Varginha teriam sido chamados para capturar um animal selvagem num pequeno bosque próximo ao bairro do Jardim Andere, não muito longe do centro da cidade. Segundo Ubirajara Rodrigues, soldados que não quiseram se identificar revelaram que o tal animal, na verdade, era uma criatura estranha, ferida, tirada das redes dos bombeiros diretamente para um caminhão do Exército, pertencente à unidade mais próxima, a EsSA, da idade vizinha de Três Corações. Naquele mesmo sábado, às 15h30, três garotas viram o que pensaram ser "o diabo", quando atravessavam um terreno baldio no Jardim Andere. As irmãs Liliane Fátima Silva, na época com 14 anos, e Valquiria Aparecida Silva, 16, acompanhadas da amiga Kátia Xavier, de 22, afirmaram na época que se tratava de uma figura tenebrosa, magra, de olhos vermelhos, pele marrom e protuberâncias na testa. Estava agachada e apática, próxima a um muro, que separa o terreno de uma oficina mecânica.
As meninas – únicas testemunhas confessas do suposto ET – correram para casa, chorando, e contaram a visão assustadora para a empregada doméstica Luiza Helena da Silva, mãe de Liliane e Valquíria. A história se espalhou, até cair nos ouvidos de ufólogos, que a interpretaram como um contato visual com extraterrestre, em vez de uma "visão do demônio", como diziam as garotas. |
A volta do caso Varginha |
Alienígena no pasto No final da tarde, uma viatura policial recolheu a criatura num matagal próximo, segundo Ubirajara Rodrigues, levando-a para o Hospital Regional, onde uma inusitada operação de acobertamento garantiu que fosse levada pelo Exército para a Escola de Sargentos das Armas, onde já estaria outro ET, capturado pela manhã. Alguns dias depois, com a história de extraterrestres correndo de boca em boca, surgiu mais um depoimento surpreendente, feito pelo casal Eurico e Oralina Freitas – caseiros de uma fazenda a 5 quilômetros de Varginha. Eles contaram que, na semana anterior, perceberam uma movimentação estranha entre os animais no pasto durante uma madrugada. Ao abrir a janela, depararam com um objeto cinza, semelhante a um submarino, e do tamanho de um microônibus. 'Ele flutuava a uns 5 metros do chão e se movia bem devagar', diz Eurico. O suposto óvni, segundo ele, não fazia barulho, soltava fumaça branca e levou quase 40 minutos para percorrer menos de um quilômetro, até desaparecer por trás de uma elevação. Para completar a série de relatos estranhos, meses depois, o paulista Carlos de Souza, piloto de ultraleve, Teria perseguido um óvni avariado e, ao aproximar-se dos destroços, fora expulso do local por militares. Isso teria acontecido no dia 13 de janeiro – uma semana antes do incidente em Varginha. De acordo com outro ufólogo, o engenheiro paulista Claudeir Covo, exatamente nesse dia, a Força Aérea dos Estados Unidos teria alertado aos colegas brasileiros sobre registros de radar anormais no território nacional. 'Tenho um depoimento de um oficial que confirmou cerca de 40 objetos não identificados registrados pelos radares brasileiros no mês de janeiro de 1996', diz Covo.
Esses depoimentos podem ser fruto da imaginação ou má-fé das testemunhas, mas a série de acontecimentos estranhos reunida por Rodrigues nas semanas que antecederam e sucederam o fato é irrefutável. Os militares da Escola de Sargentos das Armas, por exemplo, negaram durante meses que tivessem andado por Varginha. Mas, em 1997, voltaram atrás e deram uma versão bizarra dos fatos, durante entrevista a uma emissora de TV americana. Um major da escola admitiu o envio de caminhões à cidade naquele dia, mas disse que o motivo era uma visita de rotina a uma oficina mecânica. No caminho, os soldados teriam parado para socorrer um casal de anões, sendo que a mulher estava grávida. Para o militar, as testemunhas teriam confundido a anã prestes a dar à luz com um extraterrestre. Outro acontecimento esquisito foi a morte do policial Marco Eli Chereze, menos de um mês depois da suposta captura dos ETs. Os ufólogos afirmam ter depoimentos que comprovam a participação de Chereze nas operações realizadas no Jardim Andere. Ele teria carregado nos braços a criatura encontrada no matagal. Alguns dias depois, submeteu-se a uma pequena cirurgia para retirar um abscesso próximo à axila. E morreu três semanas após, devido a uma infecção generalizada. A mulher do policial, Valéria Chereze, conta que o laudo oficial da morte lhe foi negado durante meses.Quando veio, faltavam páginas. 'Marco tinha uma saúde perfeita, não pegava nem resfriado', disse ela a Galileu. E o mais intrigante: 'Pouco antes de morrer, ele ficava nervoso e mudava de assunto sempre que alguém comentava o caso do ET', revela Valéria. 'Hoje, os colegas dele evitam falar comigo.'
'Melhor não falar disso' Para completar a série de fatos inusitados, Luiza Helena da Silva, mãe das duas irmãs que teriam visto o ET no Jardim Andere, foi procurada por quatro homens semanas depois do incidente. Eles teriam lhe pedido para evitar que as filhas falassem do assunto. 'É verdade, mas não é bom ficar falando disso', contou Luiza a Galileu. Aos prantos, ela disse que as filhas nunca gostaram de comentar o assunto e hoje se recusam a dar entrevistas e ser fotografadas. A notoriedade só lhes trouxe dores de cabeça. 'Somos pobres, nunca ganhamos nada com essa história, só sofrimento.' As garotas viraram motivo de piada na cidade, acusadas de serem oportunistas. 'Até emprego recusaram a elas por causa dessa história', conta Luiza. Para os ufólogos, esse é mais um indício de que não houve má-fé no caso Varginha. De fato, ninguém parece ter saído com um tostão a mais no bolso por causa do ET. Nem a cidade, que se revela uma retumbante decepção para quem espera encontrar bares temáticos, parques ou excursões – como acontece em Roswell, nos Estados Unidos. 'O maior problema aqui é a descrença do próprio povo de Varginha', afirma o secretário de Turismo e Comércio, Sebastião Mendonça, entusiasta da criação do Museu do ET, que pretende ver inaugurado no primeiro semestre deste ano. A afirmação sobre a descrença faz sentido. Muita gente em Varginha chega até a se envergonhar da história. 'O que essas meninas viram foi um surdo-mudo que anda pelado por aí', diz com ar de chacota o pintor Dênis Ferreira, de 23 anos, funcionário da oficina mecânica vizinha ao terreno onde o ET teria sido avistado. GALILEU apurou que, de fato, a poucos quarteirões dali, vive um deficiente físico conhecido como 'Mudinho'. Segundo os próprios irmãos, ele passa os dias vagando pelo bairro. Tem o costume de andar sem camisa e ficar horas agachado na calçada ou perto de muros – exatamente da mesma forma como estaria a criatura descrita pelas três garotas. Pseudociência Tão descrentes quantos os moradores de Varginha são os cientistas, que, em sua maioria, não distinguem ufólogos de ufólatras. 'Na minha opinião, as garotas tiveram uma visão do diabo, como ocorre freqüentemente no interior', diz o engenheiro e ativista cético Marcelo Kunimoto, criador do site Ceticismo Aberto. 'Os ufólogos transformaram essa ilusão católica em um evento relacionado a extraterrestres. Precisaram até falar de um segundo ET para harmonizar depoimentos conflitantes.' Como em todos os casos de óvnis até hoje, não existe uma única prova física nas mãos dos ufólogos, seja ela um pedaço de nave espacial, corpo de ET ou filmagem comprovadamente honesta de Varginha. 'A pseudociência sempre se salva dos testes', afirma o astrônomo Carlos Aberto Torres, do LNA (Laboratório Nacional de Astrofísica), de Itajubá (MG). 'Na ufologia, a ausência de observações independentes que confirmem os relatos é sempre 'resolvida' com teorias conspiratórias', critica, referindo-se à recorrente interpretação de que governos e forças armadas querem acobertar a existência de óvnis e extraterrestres. 'Não sei de nenhum astrônomo 'ufólogo'. Pode ser até que exista. Mas quem conhece bem o assunto sabe as enormes dificuldades existentes para que 'alguém' venha visitar nosso planeta, ainda mais às escondidas', afirma Torres, que passa noites a fio vasculhando o céu com os telescópios do LNA – cujo observatório, por sinal, fica em Brazópolis, município da região de Varginha. Fonte:Revista Galileu. |
Nenhum comentário:
Postar um comentário