Discos voadores: E a nave vem
Pelo menos na imaginação da muita gente, os objetos voadores não-identificados são
naves de outros planetas. A ciência não leva isso a sério, mas algumas aparições nunca
foram bem explicadas
Das 21 horas da segunda-feira, 19 de maio de 1986, aos dez minutos do dia seguinte,
os radares da Aeronáutica registraram a presença de um objeto luminoso
não-identificado nos céus do eixo Rio — São Paulo. O objeto se deslocava a
velocidade supersônica e fazia manobras absolutamente impossíveis para um avião.
Tão logo foi percebido, seis caças da FABlevantaram vôo para observar
o estranho fenômeno.
Os pilotos disseram depois ter visto focos de luz irradiados nas cores
verde e vermelha. Eles não fizeram contato com o objeto nem
conseguiram explicá-lo. De uma coisa tiveram certeza: não se tratava de qualquer
tipo de aeronave conhecida. Mais tarde surgiram as costumeiras hipóteses:
era o planeta Vênus, era um satélite reentrando na atmosfera, era uma sonda.
E, como sempre, houve quem jurasse: os sinais luminosos pertenciam a uma nave
espacial de outro planeta, um disco voador.
disco voador, essas naves têm freqüentado, senão o espaço real, pelo menos as
histórias contadas por aviadores, funcionários de aeroportos e os mais variados
tipos de pessoas. Tanto que o misterioso objeto visto nos céus do Brasil em
1986 não foi um caso único no país. No dia 8 de fevereiro de 1982, uma
esquadrilha da FAB tentou, sem sucesso, descobrir que objeto perseguiu
um Boeing da VASP durante boa parte da viagem de Fortaleza ao Rio.
A aparição foi também testemunhada pelas tripulações de dois outros jatos.
Episódios como esses entram para o alentado anedotário dos OVNIs, os objetos
voadores não-identificados, que nesses últimos quarenta anos conquistaram
um lugar seguro na imaginação popular, até porque tem mais graça supor que
existe vida inteligente em outros planetas e que uma luz diferente no céu é
uma nave cheia de marcianos do que um reles fenômeno meteorológico.
Por outro lado, como nem sempre as pessoas tomam conhecimento das explicações
afinal encontradas para uma aparição misteriosa, sobrevive no ar a atraente idéia de
que um OVNI é produto de alguma civilizaçãoextraterrestre. As histórias em quadrinhos, a literatura e o cinema só fizeram reforçar essa crença.
Segundo os ufologistas — palavra que veio do inglês UFO (Unidentified Flying Object)
— já foram registrados 200 mil casos de objetos voadores não-identificados no mundo
todo, dos quais 10 mil apenas no Brasil. Eles próprios, no entanto, tratam de separar
bem as coisas. "Cerca de 90 por cento dos casos não são fenômenos ufológicos, mas
Centro de Estudos e Pesquisas Ufológica de São Paulo, um dos vários grupos formais
e informais de interessados no assunto existentes no país. Claudeir, um ufologista
com os pés no chão, baseia suas contas nas constatações atribuídas ao ATIC (Air Technical Intelligence Center), o serviço de contra-espionagem aérea dos Estados Unidos
encarregado de localizar e identificar qualquer aparelho que sobrevoe o país.
O Projeto Blue Book, ou Livro Azul, do ATIC, mostrou que quase todos os 13 mil casos
de OVNIs relatados em vinte anos de estudo são na verdade fenômenos astronômicos e meteorológicos. Entre os astronômicos estão o brilho de planetas, meteoros,
estrelas cadentes. Entre os meteorológicos estão os casos de auroras,
fogos-de-santelmo, descargas elétricas em tempestades. Mais prosaicamente ainda,
há pessoas que enxergam OVNIs onde só há aviões, balões, reflexos de holofotes,
gases poluidores, satélites artificiais, mísseis — ou a combinação de qualquer um
desses elementos com fenômenos da natureza. Radares, por exemplo, podem ser
enganados por interferência eletrônica, reflexos de nuvens ionizadas, chuvas e
diferenças de temperatura.
Outra explicação que não pode ser desconsiderada tem a ver com a mente humana.
Num estudo de 1958, o psicanalista suíço Carl Jung (1875-1961) afirmou que os discos
voadores seriam alucinações provocadas por ansiedades coletivas que ocorrem em
períodos de crise ou tensão internacional. Seriam portanto uma versão moderna das
visões de santos e demônios tão comuns na Idade Média. Segundo essa interpretação,
o homem da era espacial espera ser salvo de seus problemas cotidianos não por anjos,
como antigamente, mas por seres extraterrestres.
Talvez por isso, muitos ufologistas acreditam que ETs estiveram presentes quando
o profeta Elias, como conta a Bíblia, subiu aos céus numa carruagem de fogo;
ou quando os egípcios veneravam o Sol, representado como um disco de ouro
com asas; ou, ainda, quando os persas acrescentaram a essa representação
uma cauda e duas patas que, com alguma boa vontade, podem ser comparadas
a trem de aterrissagem. Os ufologistas também encontram ETs nos livros da
mitologia hindu que falam de discos destruidores, dotados de raios de fogo.
Com tudo isso, compreende-se por que ver um OVNI é fácil — o difícil é fazer com
que alguém acredite. No Brasil, os únicos que levam tais visões a sério são os
grupos de estudos ufológicos. "De cada dez pessoas que fazem parte desses grupos,
treze são piradas", brinca o engenheiro eletrônico Ricardo Varela, do Instituto de
Pesquisas Espaciais (INPE), referindo-se à salada de místicos, curiosos e visionários
de todo tipo que se abrigam nas sociedades ufológicas. O engenheiro Varela, que
trabalha no lançamento de balões à estratosfera, até que se interessa pelos
OVNIs — uma exceção no meio científico. Pois, sob o argumento de que não
trata de fatos comprovados, a discussão do assunto passa ao largo das universidades
e instituições de pesquisa.
Os cientistas reagem com impaciência, até mesmo com desagrado, às sugestões
de estudos ufológicos. "Qualquer coisa que se disser sobre o assunto é puro
chute ou crença pessoal", afirma o astrofísico Roberto Boscko, da USP.
Ele acredita que boa parte dos astrônomos pensa em disco voador "como sinônimo
de pilantragem". Mas por que os OVNIs despertam uma reação tão violenta? Afinal,
ver um deles não significa automaticamente entrar de sócio no fã-clube dos
discos voadores — indica apenas alguma coisa incompreendida. E numa época
em que satélites humanos se afastam dos limites do sistema solar com mensagens
do planeta Terra, seria natural que a ciência estudasse a possibilidade de algo
parecido "do lado de lá" — até para derrubar, uma a uma as histórias de discos,
se for o caso.
O mistério dos OVNIs surgiu logo depois da Segunda Guerra Mundial, quando
Estados Unidos e União Soviética trocavam ameaças e xingamentos cada vez
mais ferozes e as pessoas comuns, escaldadas pela invenção da bomba atômica
pouco antes, desconfiavam seriamente que os dois lados tinham verdadeiros
arsenais de armas secretas. Em junho de 1947, o piloto norte-americano
em formato de pires (flying saucers, ou pires voadores), quando sobrevoava
o pico Rainier, de 4 300 metros, no extremo noroeste dos Estados Unidos.
Não tardou para a imprensa sensacionalista projetar na imaginação popular
um clima de paranóia — ou eram os russos que estavam chegando, ou eram
mesmo os marcianos.
Dos Estados Unidos, a publicidade sobre os OVNIs correu mundo e animou
visionários de todas as cores, credos e nacionalidades. No Brasil, os pires
voadores tornaram-se discos, embora algumas vezes fossem avistados sob
a forma de charutos, sondas ou bolas. Em junho de 1952, a revista O Cruzeiro
eletrizou o público com relatos de supostos discos voadores fotografados na
Barra da Tijuca, no Rio. Os marinheiros do navio Almirante Saldanha contaram
ter visto, em 1958, vários OVNIs sobre a ilha de Trindade, na costa do
Espírito Santo, quando faziam pesquisas para o Ano Geofísico Internacional.
E até hoje existem pessoas que juram ter conversado com ETs, viajado em
discos e ouvido mensagens telepáticas de outros planetas.
Um dos casos mais célebres em todo o mundo foi o chamado Incidente de Roswell,
sobre um disco voador que teria sofrido um acidente no Estado do Novo México,
nos Estados Unidos, em 1947. No acidente, teriam morrido os tripulantes,
cujos corpos teriam sido levados em segredo pela Força Aérea para estudos.
No começo do ano passado, ufologistas fizeram o maior alarde exibindo
documentos antigos do governo dos Estados Unidos confirmando o episódio.
Na verdade, provou-se meses depois que os documentos eram falsos de cabo a rabo.
Bem antes, em 1968, um estudo da Universidade de Colorado, revisto pela
Academia de Ciências dos Estados Unidos, declarou oficialmente que não
participou do Blue Book, não se conformou com o resultado e declarou que
as pesquisas de Colorado tinham sido dirigidas a fim de apresentar uma explicação
tranqüilizadora para o público. Hynek, que morreu no ano passado, era diretor
do Centro de Estudos Ufológicos dos Estados Unidos, sendo considerado um
dos maiores especialistas em OVNIs.
Depois, os fãs dos OVNIs como que passaram para a clandestinidade. Atualmente,
eles se concentram nas sociedades de ufologistas que funcionam como verdadeiras
seitas. Alguns ainda tentam explicar os fenômenos dentro dos limites da ciência
acadêmica, aproveitando os conhecimentos sobre a origem da vida e as leis da
natureza, com as quais os discos estariam relacionados. Outros ligam o aparecimento
dos discos a fenômenos paranormais e às tradições orientais.
E, por menos que a ciência e o bom senso lhes dêem crédito, a crença em que
os discos existem vai bem, obrigado. No ano passado, três livros sobre o assunto
foram lançados nos Estados Unidos. Venderam como pão quente.
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